A Clínica Dopsom Apoia o Natal Solidário
Para minhas queridas madrinhas e padrinhos de 2016
Tento me virar na cama. Dói-me cada parte do corpo. As pernas estão tão pesadas e ao mesmo tempo tão finas. Faço mais um esforço, pois o médico disse que é importante que me vire a cada hora. Prefiro ficar bem quieta, de frente para a janela, assim, com sorte, vejo um pedacinho de céu, um fiapo de nuvem e às vezes um pequeno beija-flor. Consegui. Um fio de lágrima me escorre dos olhos. Cada dia é mais difícil. Há anos estou presa a esta cama
Ouço vozes ao longe. Uma música, som de violão, confusão. Presto bastante atenção. Oh Jardineira por que estas tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho deu dois suspiros e depois morreu… Já caí do galho faz tempo. Quando foi mesmo? Será que foi quando meu marido morreu? Acho que não. Ele não ligava para mim. Fui eu que criei sozinha nossos dois filhos. Acho que foi quando meu mais velho foi morar fora. Ou quando o mais novo se casou com aquela linda mulher? Acho que foi quando parei de andar. Será que foi no dia em que me internaram aqui?
– Mãe este lugar é ótimo! Aqui você terá companhia. E olha, visitaremos a Senhora toda semana. Eles não têm tempo, você sabe. São formados, meus filhos! São tão ocupados! Mas no meu aniversário eles sempre vêm. Trazem presentes. Eu os abraço um pouquinho, na saída.
– Mãe você está bem? Respondo que sim. Não quero preocupar meus filhos. Já te disse que eles são muito ocupados?
Não te esqueças meu amor: Que quem mais te amou fui eu. Sempre foi em seu calor, que minha alma aqueceu… Quem mais me amou? Meus dois bebês que embalei várias noites seguidas? Meus meninos que levei na escola? Meus garotos que quebravam a vidraça da vizinha? Meu marido que reclamava do feijão? Não, acho que foi minha mãe, mas pouco me lembro dela, sempre trabalhando, sempre cansada.
Sertaneja se eu pudesse, se papai do céu me desse, um espaço para voar. Eu corria a natureza… Eu sairia por aquela janela: Veria minha casa uma última vez. Minhas plantas. Meu pé de goiaba, que comadre Vanda me deu a muda. Minhas vizinhas antigas. As fotos dos momentos felizes…
-D. Maria! Hei! D. Maria. É uma moça sorridente. Não a conheço, mas ela pega na minha mão.
– Olhe quem veio ver a senhora! Forço as vistas. Viro-me um pouco. Tudo dói. Então vejo uma barba grande e branca e um gorro vermelho. Será ele? Acho que não. Afinal ele não existe. Quando criança deixava escondido meu chinelo na janela. Minha mãe dizia: – Pare com isto menina. Papai Noel só existe para os ricos. Esperava assim mesmo e sempre chorava ao ver meu chinelo só e abandonado na manhã seguinte. E quando tive filhos, nunca sobrava dinheiro. O pouco que tinha no Natal, comprava um frango para assar e fazia batata que eles adoravam. Presentes… Só os usados que as vizinhas nos davam. Livros e cadernos sim, eu sempre comprei todos. Já te disse que meus filhos são formados? Eles são muito ocupados!
Trouxe seu presente ele me diz. Quase não acredito naquele embrulho que me põem nas mãos. Ele me olha com carinho e depois me abraça. Tento abrir meu presente, mas não consigo. Então simplesmente o abraço forte. Consigo sorrir. Mais parece uma careta, pela falta de costume.
A noite desce bem devagar. A ajudante que vai me trocar acha-me abraçada com meu presente.
– Me dá D. Maria! Vou guardar para a senhora. Balanço negativamente a cabeça. Quero dormir com meu presente que ainda nem abri. Vejo que tem uma carta junto. Não consigo ler, mas sinto o amor naquela letra pequena e redonda. Sinto também um calor no meu peito. Papai Noel existe e se lembrou de mim. Velha, feia, inválida e esquecida neste cantinho há tantos anos. Uma lágrima me cai dos olhos. Obrigada Senhor, por me permitir aos 90 anos, voltar a ser criança, nem que seja por um dia.
Assim imaginei o que estaria pensando D. Maria no dia da festa de Natal que fizemos no asilo onde mora. Li isto no brilho dos olhos, no calor daquele abraço e no sentimento de uma gota de lágrima que caiu na minha mão. Obrigada a todas as madrinhas e padrinhos que participaram e que permitiram que este momento pudesse acontecer.
Obrigada de todo coração.
Dra. Tereza Cristina Ferreira Oliveira
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